As Raízes do Amor Imperfeito
É sanador olhar internamente para o nosso pai e para a nossa mãe com compaixão
Honrar os pais é um ato profundamente transformador. Não se trata de negar o que doeu, mas de reconhecer que, mesmo com as suas imperfeições, foram eles que disseram “sim” à nossa existência. Quando conseguimos olhar para além do pequeno eu, para além das falhas, e compreender as suas limitações, abrimos espaço para assentir também às nossas. Este gesto simples e, ao mesmo tempo, imenso é o ponto de partida da paz interior e o alicerce de relações mais saudáveis e conscientes.
Mergulhar na própria história é um caminho de reconciliação com a vida. É aprender a compreender de onde viemos, a fazer as pazes com o que recebemos e com o que nos faltou. O propósito não é idealizar, mas discernir com lucidez: acolher o que foi bom, devolver aos pais o que não nos pertence e ressignificar o que precisa de cura. À medida que o fazemos, libertamo-nos do peso do passado e tornamo-nos mais disponíveis para viver e amar de forma plena.
Mesmo quando a história familiar é difícil, é essencial reconhecer que, entre as sombras, também existiram gestos de amor. Só existimos porque, em algum momento, fomos amados. A memória tende a fixar-se na dor, mas o amor esteve lá, talvez silencioso, talvez imperfeito, talvez insuficiente, mas esteve. Preservar-se não significa romper com os pais, significa apenas manter a distância necessária da dor, sem lhes retirar o lugar que lhes pertence. Eles vieram antes, e algo deles vive em nós. Reconhecer isso é um ato profundo de assentimento à vida.
Bert Hellinger lembrava que “só é possível amar o imperfeito”. Quando exigimos que os pais tivessem sido diferentes, ficamos presos à dor e deixamos de ver o essencial: foi através deles que a vida nos chegou. Tornar-se adulto é aprender a ser “pai e mãe de si mesmo”, acolhendo a criança interior que um dia esperou ser resgatada e dando lugar à parte madura, capaz de cuidar, crescer e recomeçar.
Rejeitar a história familiar é como conduzir olhando apenas pelo retrovisor. Enquanto permanecermos fixos no passado, convictos de que tudo deveria ter sido diferente, não conseguimos seguir em frente. Aceitar os pais com as suas luzes e sombras é aceitar-se a si próprio. Somos um pouco eles, nas virtudes, nas fraquezas, nas escolhas e na humanidade. Rejeitá-los é rejeitar partes de nós, e tudo o que é negado tende a repetir-se.
Gabor Maté recorda que o trauma é uma ferida que divide o eu e congela a essência vital. Curar implica reconhecer o que aconteceu, atribuir a responsabilidade aos adultos e libertar a criança da culpa. Este reconhecimento abre caminho para olharmos com clareza os padrões herdados e as lealdades invisíveis que nos levam à compulsão da repetição. Diferenciar-se é, por isso, um ato de amor: escolher conscientemente o que queremos manter e o que queremos transformar. É passar do amor que aprendemos ao amor que escolhemos viver.
Quando nos permitimos imaginar a infância dos nossos pais, as suas dores, ausências e medos, algo dentro de nós se suaviza. Deixamos de os julgar e passamos a compreendê-los. Esse olhar compassivo humaniza-nos e, muitas vezes, torna-nos melhores pais, filhos e seres humanos.
Olhar para o nosso pai e para a nossa mãe com compaixão é um gesto profundamente reparador. É assim que cultivamos a autocompaixão e a bondade conosco próprios. Só a partir desse lugar de aceitação podemos crescer e amar de forma mais livre, íntegra e verdadeira.